Prossegue a política de cortes no Programa
de Estabilidade alerta Jerónimo de Sousa

Governo enganou<br>os portugueses

O Pro­grama de Es­ta­bi­li­dade di­vul­gado na pas­sada se­mana é mais do mesmo, con­si­dera o Se­cre­tário-geral do PCP, que acusa o Go­verno de manter inal­te­rada a po­lí­tica de cortes e sa­cri­fí­cios para os tra­ba­lha­dores e o povo e de de­sa­fogo para os po­de­rosos.

O Go­verno pro­cura trans­formar em de­fi­ni­tivo aquilo que anun­ciou como pro­vi­sório

«Este Go­verno, com este plano, quer de facto no es­sen­cial con­ti­nuar a mesma po­lí­tica com os mesmos ob­jec­tivos», su­bli­nhou Je­ró­nimo de Sousa, para quem o do­cu­mento é a «prova de que o Go­verno en­ganou os por­tu­gueses».

«Pri­meiro, os cortes eram por três anos, agora é por mais cinco anos. Isto não tem fim?», in­quiriu, acre­di­tando ser esta uma «es­tra­tégia» des­ti­nada a «trans­formar em de­fi­ni­tivo» aquilo que o pri­meiro-mi­nistro anun­ciara antes aos por­tu­gueses como pro­vi­sório. E que con­firma a tese do PCP de que este Go­verno tem dois pesos e duas me­didas. «Me­didas para manter os cortes nos sa­lá­rios até 2019, me­didas para um corte de mais 600 mi­lhões de euros nas re­formas e pen­sões, 400 mi­lhões de euros de cortes nos ser­viços pú­blicos, manter até 2019 a so­bre­taxa ex­tra­or­di­nária», es­pe­ci­ficou o di­ri­gente ao in­ter­pelar o pri­meiro-mi­nistro no de­bate quin­zenal da pas­sada sexta-feira, dia 17.

Fim de ciclo

Ana­li­sando em termos ge­rais este de­no­mi­nado Pro­grama de Es­ta­bi­li­dade – do qual cu­ri­o­sa­mente caiu a pa­lavra «cres­ci­mento», ob­servou –, Je­ró­nimo de Sousa não he­sitou em con­si­derar que uma con­clusão é pos­sível re­tirar desde logo: a de que o anun­ciado «cres­ci­mento da eco­nomia», «o País a dar a volta», «mais em­prego», «não passa afinal de pro­pa­ganda, de con­versa fiada».

Mas o con­teúdo do do­cu­mento mostra mais. Evi­dencia também que o Go­verno não tem so­lu­ções para o País e muito menos para os seus pro­blemas, que se «chegou ao fim de um ciclo», frisou o di­ri­gente co­mu­nista, se­guro de que com este do­cu­mento de Es­ta­bi­li­dade se com­prova a razão e a jus­teza da aná­lise feita há quinze dias na AR pelos de­pu­tados co­mu­nistas em in­ter­pe­lação do PCP ao Go­verno sobre estas ma­té­rias.

Sobre o Go­verno re­caiu ainda a acu­sação de tentar es­conder que a carga fiscal se mantém com este do­cu­mento. E a este pro­pó­sito não perdeu o en­sejo de re­cordar, em farpa di­ri­gida ao CDS-PP, que ainda uma se­mana antes, pela voz de Paulo Portas, afir­mara que «temos que re­duzir o IRS».

Já em re­lação ao IRC a con­versa é outra, re­gistou, uma vez que o Go­verno quer pro­ceder à sua re­dução em um ponto per­cen­tual todos os anos até se si­tuar em 17 por cento em 2019, a par da eli­mi­nação em dois anos da con­tri­buição ex­tra­or­di­nária do sector ener­gé­tico.

Am­bi­va­lência de tra­ta­mento que levou o líder do PCP a con­cluir que as op­ções do pri­meiro-mi­nistro em termos fis­cais de­mons­tram que em re­lação a «quem tra­balha e quem tra­ba­lhou o que há são me­didas pu­ni­tivas, é a con­ti­nu­ação dos sa­cri­fí­cios, en­quanto para os grandes in­te­resses, para os grupos eco­nó­micos há mor­do­mias, van­ta­gens e pri­vi­lé­gios».

«Diga lá que eu não tenho razão, que não há aqui dois pesos e duas me­didas», de­sa­fiou Je­ró­nimo de Sousa, di­ri­gindo-se a Passos Co­elho.

Eter­nizar cortes

«Não pode dizer que o Go­verno está em fim de ciclo, a querer manter a mesma po­lí­tica, o mesmo ob­jec­tivo da aus­te­ri­dade e agravar as di­fi­cul­dades pe­rante as pes­soas, mas de­pois vir dizer, im­pli­ci­ta­mente, que vamos re­mover pro­gres­si­va­mente a so­bre­taxa, baixar o IRC», res­pondeu Passos Co­elho, dis­tor­cendo, por de­sa­tenção ou má-fé, o sen­tido da ar­gu­men­tação do líder do PCP, para dessa forma a tentar fra­gi­lizar.

Saiu-se mal. A ver­dade é que Je­ró­nimo de Sousa em ne­nhum mo­mento aludiu a qual­quer re­dução pro­gres­siva nos cortes dos sa­lá­rios. O que cri­ticou de modo con­tun­dente – sim e só isso – foi o pro­pó­sito de­cla­rado do Go­verno de manter os cortes nos sa­lá­rios e pen­sões, que ini­ci­al­mente apre­sen­tara como pro­vi­só­rios, por um pe­ríodo de três anos, mas que afinal já se es­tendem por mais cinco anos.

O de­sa­foro do pri­meiro-mi­nistro aca­baria por ir mais longe quando, logo a se­guir – e aqui fal­se­ando des­ca­ra­da­mente os factos –, alegou ter sido só no ano pas­sado (2014) que o Go­verno disse que «iria fazer a re­po­sição sa­la­rial ao longo de quatro anos, de modo que no quinto ano já não hou­vesse qual­quer res­trição aos sa­lá­rios». Con­tor­nando a questão de fundo que lhe fora co­lo­cada – o eter­nizar de cortes ini­ci­al­mente apre­sen­tados como pro­vi­só­rios –, ig­norou olim­pi­ca­mente a ga­rantia dada pelo Go­verno, aquando dos bru­tais cortes dos anos de 2012 e 2013, de que tais cortes te­riam como li­mite tem­poral um pe­ríodo de três anos.

Na ré­plica, foi com esse facto que Je­ró­nimo de Sousa con­frontou Passos Co­elho, re­cor­dando-lhe que «antes dis­sera que as me­didas ex­tra­or­di­ná­rias du­ra­riam três anos».

«Como é que quer que os tra­ba­lha­dores, os re­for­mados, o povo acre­ditem na sua pa­lavra se não a cum­priu quando era para cum­prir, cor­ri­gindo os cortes e a re­ti­rada de di­reitos ve­ri­fi­cada na al­tura?», foi a per­gunta di­ri­gida pelo líder co­mu­nista ao chefe do Go­verno, antes de lhe dizer, cara a cara, que «não tem cre­di­bi­li­dade», «porque en­ganou os por­tu­gueses».


Sem so­lu­ções nem pro­postas

A me­recer uma atenção par­ti­cular de Je­ró­nimo de Sousa no do­cu­mento de Es­ta­bi­li­dade es­teve a questão do de­sem­prego, no­me­a­da­mente o facto de nele se prever apenas uma re­dução de dois pontos per­cen­tuais nos pró­ximos cinco anos. Ques­ti­onou-se por isso sobre o sig­ni­fi­cado de tal pre­visão.

«Sig­ni­fica o quê? O que é que esse mi­lhão de por­tu­gueses que con­ti­nu­arão no de­sem­prego vão fazer às suas vidas?», in­quiriu, su­bli­nhando que uma re­dução de dois pontos «sig­ni­fica que o País só con­se­guiria ter um nível de em­prego sus­ten­tável e ne­ces­sário nos pró­ximos 30 anos».

Na res­posta, a raiar o sur­real, Passos Co­elho achou que o dis­curso do líder co­mu­nista é que en­ferma de «ir­re­a­lismo» e «choca com a re­a­li­dade». E de­bi­tando já em tom de pré-cam­panha elei­toral aquelas que são li­nhas de força da sua pro­pa­ganda, in­vocou abs­trac­ta­mente o ale­gado «cres­ci­mento da eco­nomia em 2015» e a «re­dução do de­sem­prego», para ga­rantir que «o País está a crescer».

Con­fundiu assim a vida con­creta da ge­ne­ra­li­dade das pes­soas (em par­ti­cular a di­fi­cí­lima si­tu­ação dos tra­ba­lha­dores, dos re­for­mados e dos jo­vens) com uma qual­quer dis­tri­buição de di­vi­dendos pelos ac­ci­o­nistas dos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros.

E é também por essa razão – e essa fora a con­vicção ex­pressa antes por Je­ró­nimo de Sousa – que há hoje um sen­ti­mento pre­va­le­cente de que «este Go­verno chegou ao fim de ciclo, não tem so­lu­ções, as pro­postas são mais do mesmo, pro­cu­rando ar­rastar o País para o de­sastre».

E sem deixar de ma­ni­festar a sua «pre­o­cu­pação» pelo quadro eco­nó­mico e so­cial a que este Go­verno con­duziu o País, foi com uma pa­lavra de con­fi­ança no fu­turo que Je­ró­nimo de Sousa ter­minou a sua in­ter­venção, pondo em evi­dência o que con­si­derou ser uma «van­tagem»: «É que este Go­verno já du­rará pouco».

 

 



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